Pelo Mundo Fora (1896), de Maria Amália Vaz de Carvalho, é uma obra de crítica literária sobre a literatura de vários países anunciada como um livro de viagens. A propósito de uma viagem a Paris, a narradora regista as suas emoções e experiências, pois:
“É, de resto, o unico merito que hoje podem ter as notas de viagem, o temperamento pessoal do artista que viu, através das impressões que a sua visão lhe deu. Mais nada. Tudo está dito, e não ha quem acorde uma emoção nova, na alma do leitor blasé pelo conhecimento da obra dos grandes artistas que viajaram. O proprio Bourget, que é um mestre, cujo unico defeito é ter vindo um pouco tarde, depois de muitos outros, está reduzido a chamar Sensações de Italia ao seu livro encantador de viagem na terra classica da Arte. As sensações que a Italia lhe deu a elle, eis unicamente o que o delicado escriptor se atreve a contar, certo de que toda a essencia de poesia que d’esse maravilhoso e fecundo solo se pode extrahir, outros a extrahiram antes d’elle por lá ter passado […] Não ha de certo ninguem, por pouco imaginativo e pouco phantasista que seja, que não tenha architectado um complicadissimo e alegre sonho dando-lhe por base o prazer das viagens. Aos homens é o interesse de visitar cousas novas, de experimentar sensações mais vivas, que os attrahe e chama; ás mulheres é o amor do desconhecido que lhes irrita a insaciavel curiosidade (…) Eu cedi tambem á estranha, á irresistivel suggestão. Fui-me por esse mundo fóra em busca do pomo d’ouro, que tantas vezes se parece com aquelle fructo colhido em terras da Palestina―mimo e velludo por fóra, cinzas escuras no interior. Era bem natural que, para mim tão profundamente modelada pelo espirito da França, o primeiro objectivo fosse a terra onde a civilisação franco-latina se resume em synthese deslumbradora. Chamava-me Paris. E Paris não era, já se vê, a cidade luxuosa e alegre do boulevard, a cidade da permanente festa, do prazer que se elabora de todos os requintes de uma decadencia, da phrenetica aspiração ao gozo material da vida” (22, 23).
Maria Amália Vaz de Carvalho, Pelo Mundo Fora, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1896.