Em 1901, José de Souza Larcher (1821-1913), pela mão de Mello d’Azevedo Editor, publicou, em Lisboa, Impressões de Viagem. O que eu vi e ouvi atravez do Egypto e da velha Europa, em dois tomos. O livro resultou das duas viagens que fez ao Egipto, ambas a convite do seu filho Alberto de Sousa Larcher (1848-1929), então juiz nos Tribunais Mistos do Egipto: a primeira, no início de 1894 e, a segunda, na primeira metade de1898. 

Das viagens resultaram naturalmente numerosas impressões, recolhidas quer no território egípcio (designadamente, em Port Said, em Alexandria e no Cairo), então sob dominação otomana-inglesa, quer durante os itinerários, nos vários pontos e escalas que teve de realizar, nas idas e nos regressos, que lhe forneceram abundante material, visto e ouvido, para compilar nos dois Tomos. Além de numerosos apontamentos sobre o Egipto dos faraós, os seus costumes e principalmente os seus monumentos e museus alusivos, o Autor foi também sensível aos acontecimentos político-militares-económicos do Egipto do seu tempo, escrevendo nomeadamente sobre os antecedentes e os efeitos do estabelecimento do protectorado britânico sobre o Egipto e sobre o comportamento do império otomano e da religião islâmica na vida egípcia desde o início do século XIX até à altura das suas viagens. 

O propósito da obra é clara e rigorosamente explicitado numa nota designada “Advertencia”, logo a abrir o primeiro Tomo:

Logo que cheguei ao Egypto escrevi a alguns amigos sobre as coisas que ia observando no paiz que visitava; mas depois, reconhecendo que havia margem para largas considerações, deliberei-me a dar, ao que já tinha dito nas minhas cartas, maior desenvolvimento; tratando sucessivamente de diversos assumptos e estudos que tenho a satisfação de dedicar, cada um de per si, a alguns parentes, amigos e correligionarios, a quem peço vénia e bom acolhimento para o meu modesto trabalho.

Sendo inspirada pelas cartas escritas aos seus familiares, correligionários e amigos, a obra foi organizada em capítulos, formalmente designados ‘Capítulos-Cartas’, identificando-se nominalmente os respectivos destinatários numa lista no início de cada Tomo.

Cada Tomo é, como se menciona no frontispício, “Illustrado com numerosas e artísticas photogravuras” que, recaindo sobre aspetos relacionados com a vida europeia ou egípcia do final do século XIX, monumentos, divindades e cenas da vida quotidiana do tempo dos faraós, ajudam a colorir as “impressões” do Autor.

O primeiro Tomo (233 pp.), é composto por 17 Capítulos-Cartas e ilustrado por 41 fotografias e desenhos, contendo o segundo, nas suas 248 pp., mais 15 Capítulos-Cartas (da 18ª à 32ª) e 31 ilustrações.   Do total das 72 ilustrações, 31 (43%) referem-se a motivos relacionados com o Egipto faraónico e 41 (57%) com o Egipto islâmico. No Tomo I, contabilizam-se16 sobre o Egipto faraónico (39%), e 25 sobre o Egipto islâmico/ contemporâneo (61%); no Tomo II, 15 sobre o Egipto faraónico (48%), e 16 sobre o Egipto islâmico/ contemporâneo (52%).

Nas suas estadias no Egipto, José de Souza Larcher visitou vários lugares, de que nos dá conhecimento no seu livro, como Mansurah, Port Said, Alexandria e Cairo, onde teve oportunidade de visitar e conhecer muitos dos lugares e monumentos históricos, tanto do passado faraónico, como do período islâmico (em Alexandria: “coluna de Pompeu” e “agulha de Cleópatra”; no Cairo: planalto de Guiza, suas pirâmides e Grande Esfinge, necrópole de Sakara, Mênfis e Heliópolis cidadela de Saladino e mesquita de Mohamed-Ali). Destacam-se também as visitas a museus, mais concretamente ao museu árabe, na Mesquita El-Hakem, e ao Museu Egípcio, ainda na zona de Bulak, no Cairo. 

A visita ao Museu Egípcio é detalhadamente relatada e o autor descreve aquilo que vai vendo, salientando a beleza, a qualidade e a importância das estátuas, das gravuras, dos quadros, das estelas, dos sarcófagos, das ferramentas, do mobiliário, das joias… , sendo que, de tudo o que viu, o que mais o impressionou foi a múmia do faraó Ramsés II.

Muito significativas são as Cartas que dedica a uma análise detalhada das condições de vida no Egipto sob o protectorado britânico, onde se percebe bem o seu profundo conhecimento da imbrincada cena internacional de meados e final do século XIX, onde confluíam e concorriam, entre outros, os poderosos interesses turcos, ingleses, franceses, italianos, alemães, austríacos e egípcios.

Bibliografia: 

“Larcher (José de Sousa)” in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XIV: 702.

SALES, José das Candeias (2024), “José de Souza Larcher e Sua Alteza o Khediva Abbas Hilmy II - memória ilustrada sobre a construção de um sistema de ponte-barragem no Nilo (1898)” in João Luís Cardoso, José das Candeias Sales, Ana Paula Avelar (eds.), A Paixão pela História: Saber e Comunicação. Estudos de Homenagem a Maria José Ferro Tavares, Lisboa, Universidade Aberta, pp. 175-184.

SALES, José das Candeias; MOTA, Susana. “As impressões do Egipto de José de Souza Larcher”, in Martínez, Lucía Brage, Iria Souto Castro (eds), Antigüedades de Oriente Próximo y del Egipto faraónico. Aportaciones de la investigación española y portuguesa. la Editorial Universidad de Sevilla (No prelo).

QUINTELLA, Souza (1883) – José de Souza Larcher. Galeria Republicana, 2º anno, nº30, 1-3.

Autor: 
José das Candeias Sales (Universidade Aberta, Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta); Susana Mota (Universidade Aberta, Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta)